A alvorada serena,
desperta as pedras da
calçada
da minha rua,
pedras gastas, doridas,
silenciosas,
pelos invernos da
desesperança
no arrastar de pés descalços,
na calada da noite cansada,
em busca de um abrigo,
escondido em vão de escada,
ou sob aquela árvore da
esquina!
Os seus colchões e mantas,
são cartões de caixas
desfeitas,
que antes agasalharam televisores,
frigoríficos
e quejandas mais, em
contraste aviltante de quem nada tem!
Sofrem no corpo as agruras
do tempo,
que lhes dilacera a alma,
pelos outonos sem futuro,
em fria dor de resignação!
Arrastam-se, andrajosos,
remexem caixotes de
despojos, como bichos
em busca de um pão, ainda
que seco
e sirva para iludir o
estômago!
Outros felizes, passam
indiferentes a tão pungente sofrer,
sorrindo porque o sol lhes
brilha,
e a fome não os tortura!
Ignoram a escuridão dos
corações dessa gente,
sem sorte ou desatinados, de
alma empedernida,
culpados por viverem,
filhos de um destino
padrasto!
E as pedras da calçada da
minha rua,
no seu silêncio solidário e
sofrido
escondem a dor de alguma
alma nua
que se afogou nas mágoas
das lágrimas não vertidas!
José Carlos Moutinho