sábado, 8 de dezembro de 2018

Vem...


Vem…vem!
Esta palavra, repetida desperta-me
da minha viagem pelos sonhos
ou viajaria eu, quiçá, pela realidade?
Ensonado, não consigo abrir os olhos,
mas continuo a ouvir, muito baixinho:


Vem…vem!

Estranho…
enquanto escuto esta palavra
num tom de voz profundo,
sinto o perfume das acácias
e o cheiro característico de terra molhada,
consigo perceber o canto da mulembeira
quando acariciada pelo vento…
estremeço com este pensamento,
o coração bate apressado e emocionado
enquanto mais distante
onde a lonjura se vai perdendo,
ainda ouço:


Vem…esta é a tua terra

desta vez acordei sobressaltado,
como era possível uma voz tão grave
que parecia vir das entranhas da terra
ou da boca do exótico imbondeiro
perturbar-me tanto assim, enquanto dormia?


Aquele murmúrio chamativo lembrava
uma mãe a chamar pelo filho
E aqui só podia ser a mãe África
que assim, a mim se dirigia
chamando-me para junto de si!


Mas como, se eu sou europeu?
Fiquei pensativo e ansioso
teria eu já sido filho de África
nalguma outra passagem por este mundo?


Deixei-me acalmar
apesar de serena, aquela voz ia-se afastando
deixando a suspirar uma enorme nostalgia,
levando-me a recuar no tempo, ainda recente
e relembrar quão feliz eu tinha sido
naquela terra tropical,
plena de cores, musicalidade,
feitiços e perfumes…


Vem…vem
o teu coração mora aqui!
Que eu, solenemente, sentia,
mais do que ouvia,
embora mais ténue, porém, vibrante,
trazia a mim o som místico do kissange…
…foi-se perdendo na lonjura
que me tinha deixado apaixonado!


Incrivelmente voltei a adormecer,
mas no meu coração
ficou lavrado aquele ternurento som
e a minha alma
foi tomada por uma perfumada
e eterna saudade
que jamais se extinguirá


José Carlos Moutinho

Decreto-Lei, nº 63/85
dos direitos do autor

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Entrevista com Planeta Azul, editora de Calemas

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